Irreal eclipse solar total em Side...
No dia de 29 de Março de 2006, entre as 13 h 54 min e 13 h 58 min, aqueles quase quatro minutos marcaram-me uma realidade que, pela primeira vez, me pareceram um sonho, ou, porventura, como alguém disse, que o sonho tinha sido ultrapassado. Aproveitei a oportunidade para presenciar algo que todos nós ouvimos, lemos como sendo absolutamente imperdível, e, o qual deve ser presenciado, pelo menos uma vez! Como único enviado do grupo de Coimbra - PORTUGAL: Proxima Centauri, desloquei-me ao local histórico de Side na Turquia ficando situado a apenas 6 km a Este da linha central. Já o ponteiro das horas se inclinava para a direita do número 8, quando me preparava para subir a uma das colunas de mármore que outrora suportaram o parcialmente destruído templo de Apolo e Atena.
Estive num lugar privilegiado pois tinha vista para o Mar Mediterrâneo com uma extensão de mais de 180º bem como imediatamente à minha direita quando mirava o mar, agigantava-se o magnífico templo de Apolo. À medida que o tempo passava, milhares de pessoas iam aglomerando em torno de Side, quer fosse próximo do templo, do teatro romano, no meio de caminhos limitados por antigas colunas, junto ao mar.
Tudo se preparava freneticamente para o evento que se avizinhava... O luminoso templo de Febo (epíteto dado a Apolo) com as suas imponentes colunas e frontispício contrastavam com a tonalidade fortemente azulada do Mar Mediterrâneo e do céu, palco do espectáculo divinal que aconteceria assim que Selene ocultasse todo o poder de Helios. É bem verdade que a célebre frase "Tempus fugit" se encaixa perfeitamente num evento desta natureza. Como o tempo correu tão célere. Quase se torna impossível travar o tempo (como se o pudéssemos travá-lo...).
A partir daqui entramos num mundo totalmente novo e efémero... sim, entrei num mundo de magia por 4 breves minutos. A par do obscurecimento do horizonte a Sudoeste (junto a essa direcção dos lados vizinhos o céu apresentava-se bem mais claro), notei que o mar se tornou mais escuro como se estivesse a sofrer um processo de transformação química. Ao longe no horizonte, perto do Sudoeste, uma nuvem bastante alongada tornou-se preta. Entretanto, a luminosidade do local estava a mudar de forma fantasmagórica. A certa altura, a cor tornou-se quase etérea. Olhei para a face das pessoas: pareciam ter-se transformado em pedra! A cor criou um efeito tão dramático que tive a sensação que todos os presentes estavam imobilizados e as suas caras pareciam extinguir-se. Uma cor arroxeada com tonalidades acizentadas, indescritível, pareceu envolver-nos a todos. Ainda um pouco antes da totalidade, sentiu-se algum movimento do ar bastante agradável - uma brisa.
E tinha chegado a hora... Até que me apercebi do lado Sudoeste junto ao horizonte um obscurecimento que quase se poderia passar despercebido. Era um sinal que os milhares de pessoas estavam prestes a testemunhar um dos mais espectaculares acontecimentos naturais que resulta, neste caso, de uma feliz coincidência dos 3 astros, mais importantes para nós, estarem quase perfeitamente alinhados.
As emoções estavam a ser elevadas ao rubro assim que todos víamos um finíssimo decrescente do Sol. Todos a clamar pelo segundo contacto, com gritos, ou em silêncio à espera... até que vi algo que chamou a atenção a todos, um Vénus a brilhar de forma repentina qual Iridium.
Parecia uma supernova a explodir no céu! E a queda de brilho, naqueles menos de 1% de Sol por ocultar, foi tão impressionante que estremeci. Foi tão estranho o rápido escurecimento que me pareceu irreal. E então dirigi o olhar para o Sol (foi por causa de ter sido distraído pelo aviso do surgimento de Vénus, que desviei o olhar do anel de diamante), e vi algo que me desconcertou ainda mais. Terá sido um choque tremendo para mim ter noção que estava ali no céu um disco preto, mais escuro que o próprio carvão envolto na cor mais esplendorosa que artista algum conseguiria mimetizar.
O choque foi como se mil trovões tivessem atingido o templo de Apolo mas sem ter criado danos físicos a quem quer que fosse, mas deixado uma forte e indelével marca algures na nossa memória. A coroa solar resplandecente... estava ali visível o resultado de milhões de graus Celsius, a bela cor branca - mais sublime que a cor da neve - com seis belas flâmulas.
A coroa interior envolvia todo o disco preto da Lua, e daí partiam os prolongamentos de tal forma que fui capaz de estabelecer qual o equador solar de forma aproximada.
Nesse momento, sabendo que estava presente próximo de um templo com 21 séculos de história, que apreciava o primeiro eclipse solar total, bem como uma bela sinfonia de Mozart que tocava mesmo próximo de mim - a orquestra sinfónica estava fabulosa - não pude deixar de verter muitas lágrimas perante tamanho espectáculo.
Era impossível resistir, senti-me a flutuar, quase alheio aos gritos das pessoas.
Era irreal, sim, uma experiência surreal. O nosso cérebro busca algo, uma explicação! Remexe nos mais recônditos locais, confuso com o que observa. Ficamos momentanemente integrados como um todo na Natureza. Senti-me tão encantado pela coroa solar que a olhei durante 2 longos minutos sem desviar o olhar. Sentia-me estupefacto, atónito, imóvel! A primeira vez em que senti que a realidade me parecia um sonho. A objectividade deixa de existir para dar lugar ao extravasamento de toda a emoção humana.
Tentando ainda reconstituir os momentos passados, recordo-me com toda a clarividência das contas de Baily visíveis no segundo contacto. Cinco miríficas pérolas de luz - últimos raios de luz antes da totalidade - que pareciam transparecer as cruzes de difracção, sendo bem visíveis uma cruz de luz em cada pérola, e nalgumas apenas com 3 raios formando uma cruz incompleta.
E sem certezas, lembro-me de uma cor ligeiramente rosada nas vizinhanças dessas pérolas.
Ainda durante a totalidade, consegui distinguir perfeitamente Mercúrio. Memorável dado que nunca tinha visto Mercúrio àquela altura, quanto mais à hora em que se deu o eclipse. Talvez, devido aos poucos cirros presentes, não vi Marte. E não vislumbrei qualquer estrela, mas confesso que estava tão encantado pela coroa solar que a observei com o máximo de detalhe humanamente possível.
No meio de tudo isto, a estranheza de um novo céu que parecia ter ganho novas cores. No horizonte, uma leve tonalidade avermelhada, que se ia esbranquiçando quando nos afastávamos do horizonte e, a certa altura, ia tornando-se escura a caminho do zénite.
Relativamente aos parâmetros meteorológicos, a humidade relativa aumentou mais para o dobro na meia hora antecedente à totalidade, e a temperatura baixou para uns quase 15 ºC embora não tenha sentido tanto essa mudança como sucedeu com o eclipse anular de 3 de Outubro de 2005. Curiosamente a pressão atmosférica manteve-se muito constante.
A profusão de acontecimentos num eclipse acontece quase em simultâneo que é muito difícil segui-los todos com a devida atenção. Mas enaltece a qualquer ser humano presenciar um espectáculo celestial como o é um eclipse solar total.
Compreendo agora inteiramente o porquê de tanto se falar de um eclipse solar total. Tudo o que tinha visto, em termos de eventos celestiais, até agora, ficou relegado para segundo plano em detrimento deste fenómeno!
O mais marcante para mim neste foi o refulgir imediato de Vénus, a estonteante coroa solar bem como as contas de Baily no segundo contacto, e a cor etérea, quase extraterrestre, diríamos!
Não esperava tal magnificência de um eclipse depois de tudo o que tinha lido ou ouvido a respeito. É uma coisa totalmente alheia à experiência humana. Algo como conhecermos uma nova dimensão do espaço. Caros amigos, recomendo mais que tudo, que presenciem um eclipse solar total!
Para ver imagens e resumo do relato ir a: http://astrosurf.com/ceu/eclipsetotal2932006.html
JMAO próximo eclipse solar total a 29 de Março de 2006
|Fim de ano 2005...
Enxame da árvore de Natal e nebulosa do cone
Memorável eclipse anular do Sol visto em Ávila - Espanha
Onze astrónomos valentes do grupo de Coimbra Proxima Centauri fizeram o périplo até essa cidade medieval para assistir a esse raro fenómeno. Foram eles: Ana Pratas, Dário Fonseca, Elísio Sousa, Elísio Sousa IV, Fernanda Pereira, Graça Polaco, João Lopes, João Poiares, Jorge Almeida, Paula Sousa, Rui Costa.
O relógio dava sinal do alarme: 6 horas e 30 minutos, hora local espanhola. Num ápice estava já no portão do palácio e eis a imponente catedral de Ávila a impor-se sob um céu totalmente nublado. A austera catedral contrastava com o suave tom do céu.
Mas algo de estranho se desenrolou. Nunca tinha presenciado um tom róseo como naquela madrugada. Parecia uma premonição de algo sublime. A fim de tentar acalmar a inquietude do espírito, deambulei pelos passeios graníticos da cidade património da Humanidade, sempre com o olhar nos céus róseos de Ávila. Os segundos passavam faustosamente devagar, a ansiedade não dava sinais de tréguas apesar das nuvens. Começou a clarear... às 8 horas e 30 minutos da manhã o céu ainda se apresentava nublado. Dirigíamo-nos nesta altura para o local que faria parte precisamente da linha central do eclipse.
Munidos do meu GPSr Garmin Etrex Legend inseri as coordenadas fornecidas pelas tabelas minuciosamente preparadas por Fred Espenak para o ponto seleccionado: 40º 52,60´ N 4º 37,5' W. Um ponto que recordarei para a eternidade. Uma hipérbole, mas nunca demais salientar o quão gravado ficaram registadas as fortes emoções sentidas neste dia. A duração do máximo do eclipse anular seria de 4 min 11,1 s para o local em questão. Desde o pátio do palácio onde se pernoitou até ao local eleito para observação do raro fenómeno foram percorridos 25,4 km precisamente na direcção Norte. À medida que nos aproximávamos, e nas palavras do grande Camões "já neste tempo o lúcido planeta... (o Sol)" [canto II de "Os Lusíadas"] surgia por entre as nuvens e, num instante, aquelas grandes massas líquidas suspensas na atmosfera foram dissipando lentamente. Ao longe vimos os vastos campos dourados a brilharem como uma espécie de aura ao reflectirem os raios fulminantes do "lúcido planeta". Foi então que chegámos ao local deleitando com o agora imenso céu do azul penetrante a beijar os planaltos dourados de Ávila. O grupo de Coimbra composto por 11 pessoas preparava-se então para o começo do eclipse. No local fomos presenteados com aquele aroma particular dos campos... Instalámo-nos a cerca de 170 metros a Norte do ponto preciso que passava mesmo pelo meio da faixa central. Registei as coordenadas geográficas que pouco diferiam da inicialmente prevista: 40º 52,692' N 4º 37,496' W. A altura do local marcada pelo GPSr foi anotada como sendo de 918 metros com margem de erro de 5 metros. Preparámos os mais diversos telescópios desde os dois PST Coronado, passando pelo SolarScope, o telescópio Celestron NexStar 5 com filtro Thousand Optical, e o telescópio Meade ETX 70 também com filtro solar, além das respectivas câmaras fotográficas... bem como os imprescindíveis óculos de protecção especial da Astronomie Magazine e da Ciel et Espace e houve quem trouxesse os que foram usados no trânsito de Vénus de 2004. O relógio já pesava o seu ponteiro para as 9 h 16 min...
A magnificência vinha a caminho. A agitação local era considerável. Tudo em dinamismo a fim de aproveitar cada momento precioso do evento. Até que... quando o bordo Oeste da Lua beliscou o Sol iniciámos um processo de experiência humana vívida e única. A partir desta altura até ao fim do eclipse... a temperatura decresceu dos 12,5 ºC para os 4,9 ºC o que foi bastante notório. Fez-se uso de uma simples estação meteorológica digital. Notou-se muito bem o decréscimo considerável da temperatura, mas não registei qualquer nota de vento de eclipse ao contrário do que alguns presentes relataram. Quase no final do eclipse surgiram umas rajadas bem fortes vindas de Este. Estava ocupado a apanhar a Micrommata sp. ... À medida que o eclipse decorria ia alternando entre a observação visual no PST, no Celestron, no SolarScope, nos óculos de protecção especial com a astrofotografia a cada uma das imagens proporcionadas pelos três instrumentos ópticos.
O primeiro contacto foi quase impossível de detectar, não nos apercebemos em que altura precisa teve lugar o dito. No entanto, registei com o cronómetro, acertado via GPS, que às 10 h 54 min 52 s locais (hora espanhola) o bordo Este da Lua [o que está mais próximo do Mare Crisium] contactava com o limbo do Sol, ou seja, ocorria o contacto II. Não tenho certeza, mas as contas de Baily não eram muito perceptíveis. O que me recordo de ter visto muito brevemente no contacto II no telescópio Celestron foram inúmeros pequenos pontos de luz, mas que rapidamente desapareceram. Algo de notório foi a ausência total de qualquer mancha solar. Nota curiosa relativamente ao Sol é que nalguns registos fotográficos, tirados sem filtro, notam-se bandas iridiscentes subtis.
O forte brilho do Sol impediu ver qualquer estrela a olho nu. Quanto aos planetas Júpiter e Mercúrio tentei ver, mas sem êxito, tapando o Sol com uma grossa placa de esferovite. Foi quando tentava procurar os planetas que vi algo de estranho. Não sei se seria mera impressão ou se realmente estaria a ver umas faixas de luz e sombra em torno do Sol a tremeluzir numa considerável mancha branca que notei durante e próximo do máximo do eclipse. Eram bastante pálidas e quase imperceptíveis.
A par do avanço do eclipse, todos os milhões de pessoas puderam testemunhar um considerável obscurecimento, na faixa central do eclipse. A luz ambiental criada pela passagem da Lua pelo Sol transformou os céus criando um breve período de luz fantasmagórica, os bordos das sombras difusos, a tonalidade do ambiente como se fosse quase cinzento, quando numa fase inicial o azul se tornava cada vez mais intenso. Obscureceu consideravelmente o que me fez lembrar certas noites mais brilhantes mas com uma luminosidade estranha - quase diria acizentada.
Estranhamente na altura do eclipse anular não vi nem uma única ave, no entanto, nesta altura alguém do grupo afirmava que tinha visto um pássaro a fugir em pânico.. estava a aproximar-se a anularidade, altura em que o Sol formava um belo anel conjuntamente com a Lua. O anel infernal a abarcar a estéril Lua que servia como que um escudo quase impotente perante o poderio celestial do Sol que com a sua luz vigorosa ainda dava um ar da sua graça!
E aqui convém fazer uma pequena divagação à boa maneira de Almeida Garrett... aqueles brevíssimos minutos da anularidade intensificaram-se de tal forma que o clímax aconteceu quando as minhas duas retinas captaram todos os fotões que trespassavam a ocular 12 mm inserida no PST Coronado e naqueles nanosegundos tive noção da verdadeira beleza do eclipse anular. Naquele terceiro contacto... o contacto que nos ensinou a todos uma grande lição: o Universo é único. Vi como que suspensas, colossais proeminências solares que se projectavam em linhas quase paralelas e ondulantes a partir do limbo do Sol que estava agora oculto pelo bordo Oeste da Lua. Neste momento, a euforia era imensa. As cordas vocais rapidamente intercederam para todos os amigos que largaram de imediato tudo para irem ver no meu PST o sentido do que realmente vale a pena num eclipse anular com o Sol a mostrar 10% da sua grandeza ofuscante. O poderoso Helios mostrou-se um pouco mais, contrariado pelo trânsito lunar que nos possibilitou aquela visão que é única e possível nestes eventos. Aquelas protuberâncias eram contudo apenas uma minúscula expressão da poderosa central maciça solar. As outras expressões apenas poderão ser apreciadas no eclipse solar total...
Haja poetas e escritores de renome mundial que mesmo assim seria muito difícil descrever não só o que se viu nesse terceiro contacto, mas também se sentiu naqueles brevíssimos segundos. Mesmo os melhores registos fotográficos que vi até agora não mostram aquilo que eu tive o prazer de observar nesse inesquecível contacto. A loucura apoderou-se mesmo de nós. Se um eclipse anular tem este efeito sobre nós... o que não terá um solar total?
O grupo ainda ficou para assistir ao "toque final" do satélite na estrela que banha de luz todo o Sistema Solar, e cuja luz chega inevitavelmente ao espaço das profundezas, além da Via Láctea... Esse contacto IV visto no PST Coronado (os valores não são válidos mas ficam aqui registados por mero interesse) ocorreu às 12 h 21 min 54 s.
Algo que se notou no final do eclipse foi a formação de alguma humidade. Além do mais, no final do eclipse, quando a temperatura passou dos 12ºC vi formigas Tapinoma erraticum e acabei por captar uma aranha juvenil Micrommata sp. que caminhava lá pelo feno.
É um espectáculo inolvidável presenciar um fenómeno que é o eclipse anular do Sol. Para quem não viu, não perca o eclipse anular por daqui a 23 anos na Península Ibérica.
Sinceramente, espero que gostem do relato que apenas só conseguiu transmitir um pouco aquilo que realmente foi visto e sentido. Só presenciando, só estando no local, só vivenciando a experiência é que terá todo o sentido em perceber o que é verdadeiramente um eclipse anular.
Para ver imagens e resumo do relato ir a: http://www.astrosurf.com/ceu/eclipseanular3102005.html
JMA